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A Mãe do Pós-modernismo?
Time-Sense - uma edição eletrônica trimestral sobre a arte de Gertrude Stein
1 – A Mãe do Pós-modernismo?
Gertrude Stein On-line
por Annette Rubery
Tradução:
Prof. Dr. Eduardo Gomes de Siqueira
GeFeLit/DFL/UFS
Gertrude Stein tem sido freqüentemente batizada como "A Mãe do Modernismo", ainda que haja um sentido pelo qual ela também tenha partejado muita coisa da pluralidade da sociedade pós-moderna, isso para não fazer menção ao ecletismo desencarnado da Internet. É tentador imaginar que uso ela teria feito das super-infovias; alguns suspeitam que a idéia de fazer download de Picasso a teria horrorizado, ainda que ela provavelmente tivesse apreciado possuir seu próprio web-site. Minha analogia, é claro, é jocosa, mas menos absurda quando consideramos os modos pelos quais a Internet tem preenchido os sonhos modernistas, mesmo ao torná-los, em alguns casos, pesadelos pós-modernos.
Do mesmo modo, o cyberspaço é, sob diversos aspectos, a destinação lógica para um projeto extensivo ao qual Stein – entre outros – deu início na virada do século passado; um projeto no qual um sentido coerente do tempo, da memória e da história são rejeitados em favor de modos de representação não-narrativos. Os primeiros modernistas conferiram um desenvolvimento instrumental a uma arte do puro signo, ou uma arte na qual os materiais concretos – palavras, tintas – tornam-se o principal assunto do artista. Stein é famosa por ter favorecido os verbos em lugar dos substantivos, porque os verbos podem ser ‘errantes’ (mistaken), e vacilantes (na ligação das palavras), porque suas significações mudam dependendo do contexto no qual são usados. Em seu famoso ensaio Speculations, or Post-Impressionism in Prose (Especulações, ou: Pós-Impressionismo em Prosa), Mabel Dodge glorificou o modo intuitivo pelo qual Stein: "[escolhe] palavras devido à sua qualidade inerente, ao invés de escolhê-las devido à sua significação estabelecida", uma observação antecipadora à luz do trabalho de Jacques Derrida, que propôs recentemente uma ciência do signo escrito concreto chamada de Gramatologia.
A interferência de Stein nos meios pelos quais a linguagem comunica deve muito às suas teorias sobre o tempo, a memória, a história e a narrativa, coisas que ela não desconsidera enquanto agradáveis ocupações humanas, os quais, porém, são desastrosos para a criação de obras primas. A fim de evitar a influência corruptiva do tempo em seus escritos, Stein divisou o "presente contínuo"; um estado no qual cada momento tem sua ênfase própria e cada palavra perde sua referência externa. Em retrospecto, esta fragmentação da realidade através da destruição do modelo linear tinha uma ambição da idade moderna, a qual, felizmente para Stein, fez também com que se tornasse impossível repeti-la (ela preferia o termo "insistência"). O que me parece fascinante em seu trabalho é a grande extensão na qual ela esticou os limites do a-historicismo, e os diversos modos pelos quais isso faz com que ela pareça tão contemporânea, dado especialmente que uma rejeição da grande narrativa histórica é o principal dogma do pós-modernismo.
Está fora de questão que a Internet seja parcialmente responsável pela nossa assim chamada 'incredulidade em relação a metanarrativas'. A relidade-salão-de-espelhos das super-infovias nos oferecem um espectro tão diversificado de experiência cultural que não se pode apoiar, mas antes questionar a validade de qualquer simples noção abrangente de história. O ambiente on-line, muitas vezes abreviado como RV, ou Realidade-Virtual, não existe em nenhum espaço físico; ele transcende o tempo e não oferece sentido coerente, orgânico, algum, do passado. Enquanto tal isso também tem algo a ver com o ‘presente contínuo’ de Stein. Mais ainda: a paisagem RV (cyberia) é povoada inteiramente por fenômenos gerados-por-computador e, enquanto cria a ilusão de um universo paralelo interativo, não tem relação com coisa alguma além de si mesma. Não há um conjunto de narrativas ou uma viajem linear através da rede porque os links permitem aos usuários (ou cybernautas) escolher um número infinito de caminhos – um método que foi de fato modelado a partir da consideração dos processos cognitivos da mente humana. O tratado filosófico de Stein intitulado A História Geográfica da América (The Geographical History of America, de 1936) parece profético à luz desses desenvolvimentos. Neste livro ela descreve a mente humana utilizando-se de uma metáfora global: a terra vista desde um aeroplano [Übersichtliche Darstellung?]. "A mente humana", ela diz, "não tem identidade nem tempo", ou seja, ela é: "Uma terra plana vista de cima". A natureza humana, por outro lado, é representada por sua falta de capacidade de transcender um simples ponto-de-vista; é a terra vista desde baixo.O final do século XX tem assistido, desde então, a explosão da tecnologia do cyberespaço e, com ela, a um fenômeno que torna possível uma história geográfica do mundo como um todo. Se o estado de coisas corrente do que tem sido chamado de “Hiper-Modernismo Zipado” (zapped-out hyper-modernism) é ou não uma boa coisa, ou quanto da Internet pode ser considerado "Conhecimento Útil", é algo que permanece sob investigação. De minha parte, gostaria de pensar que Stein teria abraçado a Internet com vivacidade. Ela se apóia, afinal, sobre uma tautologia bastante steiniana: a única unidade valiosa de se possuir é uma unidade plural.
*Annette Rubery, B.A., M.A., é candidata ao doutorado em Língua Inglesa na Universidade de Warwick, UK.
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